Sonia Salerno Forjaz
Eu não me importaria de trabalhar tanto,
se valesse a pena.
Não me importaria de levantar ainda
escuro, quando tudo ainda dorme, nem de lavar meu rosto nesta água fria que me
obriga a acordar e a viver.
Eu não me importaria de vestir roupa tão
rota, se valesse a pena.
Não me queixaria nunca, nem praguejaria
mais, se tanto esforço tivesse algum retorno, um benefício. 
Eu sempre falei com meus botões que meus
planos para ele eram bem outros. Que não daria a ele a vida que levei, e tudo
está no mesmo. Ele já sofre as consequências do que não conhece.
Eu não me importaria de levar vida tão
dura, se não fosse o seu olhar, quando
chego, a procurar nas mãos o presente que nunca pediu. Se não fosse esse
vasculhar esperançoso de não me ver assim vazio.
Ora trago uma pedra diferente de beira de
rio, ora um maço de cigarros sujo, pisoteado e tão vazio quanto eu, só pra
dizer que trouxe alguma coisa. Ele agradece e diz que vai colecionar essas
lembranças. Bugigangas que lhe trago quando ainda volto com olhos abertos
vasculhando chãos, como ele faz comigo e com minhas mãos.
Eu não me importaria com nada, se nada
fosse como é.
Não me importaria de acordar tão cedo e
tão frio, se valesse a pena. Não me importaria mesmo.
Bastava ver, no meu regresso, os olhinhos
dele faiscando, um sorriso brincando, uma mão se estendendo.
Bastava deixar de ver sua esperança
frustrada, deixar de assistir, dia após dia, seu arzinho faminto de novidades
e surpresas.
Bastava muito pouco acontecer e eu não me
importaria com nada... se valesse a pena.