sexta-feira, 14 de março de 2014

Se valesse a pena


 
Sonia Salerno Forjaz

     Eu não me importaria de trabalhar tanto, se valesse a pena.
     Não me importaria de levantar ainda escuro, quando tudo ainda dorme, nem de lavar meu rosto nesta água fria que me obriga a acordar e a viver.

     Eu não me importaria de vestir roupa tão rota, se valesse a pena.
     Não me queixaria nunca, nem praguejaria mais, se tanto esforço tivesse algum retorno, um benefício.

     Eu não me importaria de morar tão longe, se na minha volta eu não continuasse tão vazio. Vazio nos bolsos, no coração, nas mãos cansadas.
     Não choraria essa sina minha, se cada gota de suor valesse um sorriso do meu menino.

     Eu sempre falei com meus botões que meus planos para ele eram bem outros. Que não daria a ele a vida que levei, e tudo está no mesmo. Ele já sofre as consequências do que não conhece.
     Eu não me importaria de levar vida tão dura, se não fosse  o seu olhar, quando chego, a procurar nas mãos o presente que nunca pediu. Se não fosse esse vasculhar esperançoso de não me ver assim vazio.

     Ora trago uma pedra diferente de beira de rio, ora um maço de cigarros sujo, pisoteado e tão vazio quanto eu, só pra dizer que trouxe alguma coisa. Ele agradece e diz que vai colecionar essas lembranças. Bugigangas que lhe trago quando ainda volto com olhos abertos vasculhando chãos, como ele faz comigo e com minhas mãos.
     Eu não me importaria com nada, se nada fosse como é.

     Não me importaria de acordar tão cedo e tão frio, se valesse a pena. Não me importaria mesmo.
     Bastava ver, no meu regresso, os olhinhos dele faiscando, um sorriso brincando, uma mão se estendendo.

     Bastava deixar de ver sua esperança frustrada, deixar de assistir, dia após dia,  seu arzinho faminto de novidades e surpresas.
     Bastava muito pouco acontecer e eu não me importaria com nada... se valesse a pena.