quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Ilustração 9 - Ruy Perotti

   Tem coisas que a gente guarda só na lembrança, mas tem outras que são difíceis de largar. Insistem em permanecer em gavetas, resistentes na sua forma física, e jamais são descartadas. Abandonadas em meio a outros guardados, basta vê-las novamente para reacender uma emoção intensa e viva (também ela só adormecida).  Foi o que me aconteceu recentemente, enquanto organizava arquivos, textos, pastas de trabalho... mas preciso explicar melhor esta história.
   Já contei inúmeras vezes como foi que conheci Ruy Perotti. Eu precisava fazer meu trabalho final, na USP, sobre Sociologia da Comunicação, e decidi falar sobre o papel social das HQs. Um colega de classe, que trabalhava na Abril, sugeriu que eu conversasse com o Ruy. Ele estava lançando um nova nova revista, com um personagem  carismático, que fazia uma crítica social muito interessante: o Satanésio. Pois o Ruy, um dos pioneiros da animação e da ilustração no Brasil, me recebeu e gravou uma longa entrevista que foi a base de um belo trabalho acadêmico. Depois disso,  avaliou textos que eu escrevia (e, até então, guardava), encomendou histórias para revistas da Abril , e assim iniciei minha carreira literária. Esse viés literatura/sociologia explica muito sobre a temática de meus livros.
   O fato é que, organizando papeis, me deparei com o cartão que posto agora e senti de volta a emoção de um dia distante (muito distante) em que, em meio à correspondência deixada na porta de casa, encontrei um envelope enviado pelo Ruy, com um cartão de Natal especialmente feito para mim. A mensagem vinha do Anjoca, guardião do Satanésio, diabo que, ingenuamente, tentava assustar os humanos, sem imaginar que as coisas aqui na Terra andavam bem mais quentes e crueis que no inferno. Suas maldades sempre viravam contra o feiticeiro, no caso, um diabo tão desmoralizado que precisava da proteção contante de um anjo da guarda. 
   Bateu saudade. De um tempo, de uma grande amizade, Ruy, Anjoca,  Satanésio...  
       


sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Ilustração 8 - As turmas e as diagramações para Mister X


   Contando um pouco mais sobre a trajetória de Um caso para Mister X, destaco aqui as ilustrações e diagramações definidas para livro nas suas primeira e segunda versões. Seguindo as tendências do mercado editorial, após alguns anos em circulação, o livro ganhou novo formato, papel, gramatura e diagramação. Os desenhos, sempre adequados ao texto, nos mostram duas diferentes leituras de dois grandes ilustradores, permeadas elas também pelo tempo e contexto. Ilustrar é também ler, interpretar. Trabalho autoral que valoriza o livro e a leitura. Vale conferir, comparar e curtir. 



1a. edição - Edson Evangelista



Edição renovada - Victor Tavares


Capas 3 - O antes e o agora - Um caso para Mister X


Um caso para Mister X, da Moderna,  é um livro simpático que nasceu de um projeto diferente, ainda no tempo em que eu colaborava regularmente com a Revista Alegria & Cia., da Editora Abril. Os temas trabalhados nas revistas definiam também a temática e o tom do conto publicado junto com brincadeiras, poesias e matérias bem interessantes que provocavam a reação dos leitores através de cartas, envios de desenhos e fotos. Na época, nem se imaginava o que viria a ser uma "internet". Como o tema do mês era "mistério", a editora me encomendou uma história que envolvesse a questão. Eu, mais do que falar sobre um mundo misterioso e sobrenatural, preferi falar sobre os mistérios que envolvem uma investigação policial, tipo Sherlock Holmes. Era a minha eterna mania de escrever sobre a realidade, o cotidiano, sobre as coisas que acontecem diante de nossos olhos sem que a gente perceba. Enfim, criei o personagem Mister X, um menino curioso, inteligente e atento, capaz de descobrir os responsáveis por tudo o que acontecia de estranho, sobretudo na escola, entre seus amigos e admiradores. Mister X - que recebeu o apelido por ter o nome de Xisto - desvendava tantos mistérios, que era chamado a cada fato novo. Depois, revelava aos amigos (e ao leitor), passo a passo, o seu raciocínio. Afinal, qual a sua estratégia? Mister X tinha várias, sobretudo as baseadas nos sentidos: tato, olfato, visão, audição, paladar. Assim, no final da história, em breves quadrinhos ilustrados, Mister X revelava ao leitor como e por que tinha chegado à solução de um caso. O personagem fez sucesso na revista e, atraindo a atenção da Editora Moderna, acabou virando livro e ganhando alguns episódios a mais. O personagem fez e faz sucesso. Além de inteligente, tem fôlego, e continua interessando leitores das novas gerações. Claro que, tendo vida longa, precisou ser revisitado, repaginado, ganhando novos traços, nova capa, novo formato. O tempo costuma exigir isso: mudanças. Mas, muitas vezes, essas mudanças não quebram o espírito daquilo que é duradouro como o livro (e como o próprio mistério) e, sem deixar morrer o primeiro desenho de Mister X, feito pelo ilustrador Edson Evangelista, nasceu uma outra figura, mais moderna e despojada, criada pelo brilhante Victor Tavares.   A primeira edição data de 1997. Mister X, hoje com seus 15 anos de idade, exigiu nova roupagem, para continuar contando casos para leitores de um novo século. É elementar...

quarta-feira, 8 de agosto de 2012

Leitura 15 - Dia dos pais

   O dia dos pais está chegando e motivando leituras sobre o tema, dentro e fora da escola. Longe de apenas idealizar a figura paterna como se cogitava fazer antigamente, a literatura mais e mais a humaniza e a revela na sua melhor forma, tão ambígua como todos os seres, oscilando entre força e fraqueza, malícia e pureza, certezas e dúvidas... Desta forma, o pequeno leitor  do seu pai se aproxima, com ele se identifica e, tentando compreender a sua verdade (com suas qualidades e defeitos), aprende a amá-lo tal como ele é.
   Vejamos aqui alguns livros que têm o pai como personagem central e o enfoque  trabalhado em cada um deles:
   Em Acampando com papai, o pai é divertido e distraído, bem distante dos padrões convencionais. Muito bem intencionado, ele leva os filhos para acampar no dia dos pais. É uma comemoração original, segundo ele: longe de casa (e da ajuda da mãe) e dos presentes repetidos e sem imaginação (como meias e lenços). Tempo ruim, pouca habilidade com barracas, culinária e afins fazem com que tudo dê errado.
   Em Meu dentinho, seu dentão, é o pai quem precisa ir ao dentista. Querendo incentivar o filho a não ter medo, faz com que ele assista a sua consulta que prevê a extração de um dente. Sim, pai também tem medo de dentista! O que não faz, necessariamente, que este medo seja herdado.
   Em Papai não é perfeito, a deficiência física do pai é analisada pelo filho para a realização de um trabalho escolar que associa a figura paterna a um herói.
   Em Tempos de Viver, a história é narrada também pelo pai, o que dá a um mesmo fato um outro ângulo, trazendo  contornos que a filha não vê, tão valiosos quanto às razões que ela aponta incisivamente.  
   Em Incríveis amigos, são os filhos que levam um assustado pai a um passeio na nave espacial, que, surpreendentemente, pousa no quintal.
   Enfim,  lendo sobre as características e reações de outras pessoas, sobretudo de pessoas próximas e queridas, o leitor vai aprendendo a respeitar as diferenças, enquanto também reconhece o seu próprio modo de ser. 

terça-feira, 7 de agosto de 2012

Capas 2 - O antes e o agora - Papai não é perfeito

                                     
                                     Papai não é perfeito - Ed. FTD.
   Livro lançado no ano de 1994 que, por sua temática universal e atemporal, permanece vivo até hoje, sobretudo nas escolas, local onde a literatura é capaz de promover - para além da leitura - o despertar da consciência.
  
   Em tempos em que o respeito ao próximo parece fora de moda, em tempos em que a consciência dos direitos e deveres do cidadão precisam ser discutidos, apontados, questionados; falar sobre o deficiente físico é bastante pertinente. No caso, um pai portador de hemiplegia visto sob a perspectiva de seu filho pré-adolescente, durante a realização de um trabalho escolar. Pai herói é o título do trabalho, e Lucas se pergunta se é possível chamar de herói uma pessoa que vive seu dia a dia superando tantas limitações, enfrentando tantos obstáculos. Qual o exato conceito de herói, afinal?
   
   Bem, a resposta Lucas descobre (na verdade, já sabia, mas nem sempre via) convivendo com o pai, desvendando a sua história pessoal, seu passado, suas conquistas. Para saber mais, é preciso ler o livro. O pretexto aqui é mostrar como o tema e a discussão se mantêm vivos, gerando novas edições de um mesmo livro que, para atender o gosto de leitores de uma outra década, ganhou também nova roupagem: capa e diagramação. A primeira edição foi lindamente ilustrada por Roberto Weigand, com traços fortes, em preto e branco. A nova leitura vem no olhar, nos traços e cores de Ricardo Dantas. Dois artistas que se envolveram na trama e dialogaram com ela, valorizando o livro e a leitura.

sexta-feira, 6 de julho de 2012

Capas 1 - O antes e o agora - Barulhinhos do Silêncio

     Felizmente, alguns temas são comuns aos homens de todos os tempos e lugares. Digo felizmente, porque é esse elo que nos faz humanos, capazes de nos reconhecer no outro, sobretudo nas suas emoções. Sendo comuns e não datados, esses temas se mantêm no imaginário por séculos e percorrem distâncias  inimagináveis. Falo dos sentimentos, especialmente os expressos nos livros, melhor, nas artes, em todas elas. Falo, aqui,  do medo. Não do medo absurdo, enorme, assustador, mas daquele comum a todas as crianças, nascido da sua insegurança, da ignorância até, da necessidade de compreender o mundo, ainda que esse mundo esteja reduzido aos limites de um quarto escuro. Um medo aparentemente tolo mas que, na visão de uma criança, assume outras proporções. Falar sobre isso para as crianças - de ontem, de hoje, de amanhã - parece não apenas possível, mas também inevitável, a partir de histórias que contamos, recontamos, desenhamos, imaginamos, interpretamos... e, lá no futuro, relembramos. O tempo passa, mas a história, aquela história, ainda está ali, viva, presente.  
   Digo isso porque me dei conta de que o livro Barulhinhos do Silêncio já tem bem mais de 20 anos e eu ainda recebo mensagens de crianças que nele se reconhecem. Crianças que, ao longo desses anos todos, se identificam com o pequeno Hugo que, de noite, no escuro de seu quarto, se assusta com o ruído de uma torneira pingando. Sim, o mistério nos assusta... No caso, um pequeno mistério, num espaço urbano, num lar sem perigos, cercado por pais amorosos. Hugo descobre o mistério e afasta seu medo. Como seria bom se tudo fosse assim. Mas por causa de Hugo, de sua maioridade, dos temas que nos são comuns independentemente de tempos e distâncias, lembrei deste e de outros livros meus que acompanharam algumas gerações e decidi resgatar um pouco das suas trajetórias. Quero registrar aqui a história das histórias, as capas revisitadas, revistas, reformuladas sendo apresentadas às novas gerações.
   Hoje, seguem as capas da versão original dos "Barulhinhos", que atingiu a marca de mais de 40 edições e de sua reedição totalmente reformulada. Outras capas serão postadas aqui no blog, de outros livros que se mantiveram vivos e atuantes, merecendo edições reformuladas. Elas vão para quem os leu, os apresentou para seus filhos e, quem sabe, quantas gerações farão o mesmo.  
    Sentimentos, histórias e livros sobrevivem ao tempo. Por isso, acho que comecei dizendo: felizmente.   

quinta-feira, 17 de maio de 2012

Leitura 14 - A mulher na sociedade contemporânea


Na sociedade contemporânea...
"...Não mudou só o papel feminino, mas também como se entende o que é ser mulher, ou seja, a subjetividade do feminino. É o contexto de um mundo que se reinventa, onde entraram as mulheres, em número impressionantemente crescente, na educação superior, porta de acesso às profissões liberais. A partir desse momento, a mulher começa a aparecer de uma forma marcante no mercado de trabalho.
   Foram inegáveis os sinais de mudanças significativas, e até mesmo revolucionárias, nas expectativas das mulheres sobre elas mesmas e nas expectativas do mundo sobre o lugar delas na sociedade. Esses movimentos sociais levaram ao questionamento, em nossa sociedade capitalista, das relações de gênero, das oportunidades de trabalho para os diferentes sexos, da questão da sexualidade. ... A partir daí, a própria amplitude da nova consciência da feminilidade e seus interesses tornavam inadequadas as explicações simples em torno da mudança do papel da mulher na sociedade. A imagem da mulher, antes frágil e necessitada de proteção, atuando na intimidade e presa aos cuidados com a prole, ganha hoje outros contornos que fazem dela um ser em construção, querendo buscar no seu desenvolvimento o poder da realização de suas potencialidades ... Casar ou permanecer solteira (ou ambas as coisas, cada qual em seu momento), ter ou não ter filhos, abraçar uma profissão, são opções que não mais implicam escolher entre liberdade e sujeição, pois a mulher contemporânea cogita inventar o próprio destino de acordo com suas necessidades internas..."
Trecho da tese MULHER, TRABALHO E MATERNIDADE: UMA VISÃO CONTEMPORÂNEA, VERA MALUF Dra. em Psicologia Clínica/PUC/SP.

Em tempos de mudança de atitudes e comportamentos, em tempos de reorganização de papeis e, consequentemente de estruturas pessoais e familiares, em tempos de referências múltiplas e quase ausência de padrões, é importante ficarmos atentos aos novos apelos do ser feminino (e do ser masculino que, com a mulher, inevitavelmente também se modifica). Estudos como o da Dra. Vera - em breve, publicado em livro -, nos ajudam a entender essas mudanças e a conviver com elas.  E, em se tratando de uma seara pessoal e social, é inevitável que a Escola acompanhe essas mudanças e prepare seus alunos - meninos e meninas - para fazerem suas escolhas de vida dentro de uma nova realidade. Quem sou e quem quero ser?
Neste sentido, livros de ficção voltados para o jovem, caminham paralelamente aos estudos acadêmicos e retratam a realidade (ou ao menos parte dela), protagonizando a mulher e sua nova forma de atuação. É o que faz o livro Profissão Dona de Mim, da Editora FTD, ao revelar uma mulher em crise, deslocada num universo que não mais lhe faz sentido. Seus conflitos, partilhados com os filhos adolescentes, nos convidam a refletir sobre o que ocorre com o indivíduo quando a sociedade, por sinuosos caminhos, exige mudanças.

Assim o apresenta a Editora:
Profissão dona de mim - FTD Editora
Viver em família é complicado! Ainda mais quando a família entra em crise! E, pior ainda, quando quem está em crise não é um filho, mas a mãe. Como entender? Como ajudar? Como conviver com alguém que se descobre insatisfeita com a vida de dona de casa e quer mudar de qualquer jeito? Entre papos sérios e outros divertidos, a familia inteira se mobiliza para achar a solução! 

segunda-feira, 2 de abril de 2012

Leitura 13 - Dia Internacional da Literatura infantil - 02/abril

     Dia da Literatura Infantil, vontade de comemorar com um conto especial, o mais lindo e representativo entre tantos. Mas como selecionar apenas um? Talvez a melhor homenagem seja lembrar de um de seus responsáveis por gratas memórias de infancia de tantos de nós, adultos; de futuras lembranças dos pequenos que aí estão, e de outros que vêm chegando para desbravar este nosso mundo que é rico, enquanto muitas vezes tão difícil, que só o olhar da magia, do sonho e do encantamento nos faz tolerar. Vai aqui não apenas uma leitura, mas um pouco da história daquele que tanto fez pela Literatura, que teve a data de seu nascimento definida também como o marco inicial do que hoje entendemos por Literatura Infantil

Poeta e escritor dinamarquês / Hans Christian Andersen
02/04/1805, Odense, Dinamarca
04/08/1875, Copenhague, Dinamarca
Da Página 3 Pedagogia & Comunicação
[creditofoto]
                                           A infância pobre de Andersen influenciou marcadamente sua literatura

[creditofoto]     Hans Christian Andersen era filho de um sapateiro e sua família morava num único quarto. Apesar das dificuldades, ele aprendeu a ler desde muito cedo e adorava ouvir histórias.
     A infância pobre deu a Andersen a chance de conhecer os contrastes de sua sociedade, o que influenciou bastante as histórias infantis e adultas que viria a escrever. Em 1816, seu pai morreu e ele, com apenas 11 anos, precisou abandonar a escola, mas já demonstrava aptidão para o teatro e a literatura.
     Aos 14 anos, Andersen foi para Copenhague, onde conheceu o diretor do Teatro Real, Jonas Collin. Andersen trabalhou como ator e bailarino, além de escrever algumas peças. Em 1828, entrou na Universidade de Copenhague e já publicava diversos livros, mas só alcançou o reconhecimento internacional em 1835, quando lançou o romance "O Improvisador".
     Apesar de ter escrito romances adultos, livros de poesia e relatos de viagens, foram os contos infantis que tornaram Hans Christian Andersen famoso. Até então, eram raros livros voltados especificamente para crianças. Em suas histórias, Andersen buscava sempre passar padrões de comportamento que deveriam ser adotados pela sociedade, mostrando inclusive os confrontos entre poderosos e desprotegidos, fortes e fracos. Ele buscava demonstrar que todos os homens deveriam ter direitos iguais.
     Entre 1835 e 1842, Andersen lançou seis volumes de "Contos" para crianças. E continuou escrevendo contos infantis até 1872, chegando à marca de 156 histórias. No final de 1872, ficou muito doente e permaneceu com a saúde abalada até 4 de agosto de 1875, quando faleceu, em Copenhague.
     Graças à sua contribuição para a literatura para a infância e adolescência, a data de seu nascimento, 2 de abril, é hoje o Dia Internacional do Livro Infanto-Juvenil. Além disso, o mais importante prêmio internacional do gênero leva seu nome.  Anualmente, a International Board on Books for Young People (IBBY) oferece a Medalha Hans Christian Andersen para os maiores nomes da literatura infanto-juvenil. A primeira representante brasileira a ganhá-la foi Lygia Bojunga, em 1982.
     Entre os títulos mais divulgados da obra de Andersen encontram-se: "O patinho feio", "O soldadinho de chumbo", "A roupa nova do Imperador", "A pequena sereia" e "A Menina dos Fósforos". São textos que fazem parte do imaginário da maioria das crianças do mundo desde sua publicação até a atualidade, tendo sido adaptados para o cinema, o teatro, a televisão, o desenho animado etc.
Fonte: http://educacao.uol.com.br/biografias/hans-christian-andersen.jhtm

sexta-feira, 9 de março de 2012

Poesia 1 - Lupe Cotrim (1933-1970)

Mês de março, ontem 8, dia da Mulher, homenagens, comemorações. Para falar da Mulher, nada melhor do que retratar a alma de poetas como Lupe Cotrim, morta prematuramente, absolutamente clara e intensa ao descrever o Amor.

I
- Em mim sonhas um mar, um horizonte
murmuravas. - Ao ver-me rio e vento
sabes que ao ser apenas lago e fonte
és imóvel, e sou teu movimento.
E sonhei mais. Que em volta do teu rio
fosse eu contorno e no teu vento eu fosse a
a flexivel resposta de um navio
saciando essa procura que te trouxe.
E sonhei mais ainda pois sonhei
também que me sonhavas. Descobri
que nem mesmo sonhaste o que te amei.
  Na manhã do teu rio em que me apago
ficaram, desse sonho onde vivi,
                                         as águas tristes que não foram lago.

                              II
                              Que o amor assim perdido se conforme
                              e renasça na forma de outro amor,
                              embora sem ser meu. Que se transforme
                              num sorriso distante desta dor.
                                Que as mãos assim crispadas pelo sonho,
                              repousem finalmente na verdade
                              aceita e compreendida em que disponho
                              os limites da estreita realidade.
                              Que o rumo onde te amava e me perdia
                              em tristeza tão grande não incorra
                              sobrevivendo a altura em que eu vivia.
                              Que poesia e não lágrimas escorra
                              dos meus olhos. No sonho já desperto
                              seja água a responder ao teu deserto.

                               III
                              Pouco sabeis de mim. Hoje percebo
                              que o segredo mais puro do que sou
                              vos é desconhecido. É um arremedo
                              apenas do que sinto o que vos dou.
                              Se é receio vos largar o coração,
                                talvez eu tema. Sei o que é silêncio,
                              a mágoa de compor a solidão
                              uma outra vez. E sei que não convenço
                              vossa distância em minha entrega. Perto
                              ou longe, sois limite próprio. Surda
                              é em vós essa paixão em que desperto
                              um arrepio que vossa paz perturba.
                              E intensa me contenho e mais não faço
                              para atrair-vos ao céu que vos disfarço.

                              IV
                              Tudo acabou, bem sei, mas não importa.
                              Não é só de futuro que amor vive.
                               O tempo em que se amou não mais se corta
                              de nós; ainda sou muito do que tive.
                              Nessa entrega também me pertenci.
                              Tive dois corpos, duas almas, em braços
                              mais longos envolvi o mundo. Nasci
                              de nós, por isso levo-te em meus traços.
                              Não pesa que a verdade foi momento,
                              a presença tão breve e o desconexo
                              desse sonho. Restou-me o sentimento
                              em que de novo te surpreendo em mim.
                              E o que foi belo, imóvel num reflexo
                               me enriqueceu de haver amado assim. 
                                "Amar de amor, amor de amar VI", Entre a flor e o tempo, 1961

quinta-feira, 8 de março de 2012

Leitura 16 - "Ouvindo" livros

     Recebo uma carta carinhosa de uma leitora, aluna do Fundamental, que teve como indicação de leitura o meu livro "Um gosto de quero mais", da FTD. A primeira edição do livro é de 1994 e, na época, muito embora os professores sugerissem que temas como a gravidez precoce fossem abordados na literatura juvenil, a adoção era ainda um tanto controversa.  Quando os educadores sentiam que o momento era propício, muitas vezes, os pais se mostravam reticentes: "Por que atiçar a curiosidade dos alunos?" Uma preocupação compreensível, mas que, já se pressentia, por pouco tempo seria contornada.
     Aos poucos, o livro foi ganhando espaço, abrindo caminho junto a tantos outros títulos e temas, promovendo importantes discussões em salas de aula que, bem conduzidas, produzem resultados excelentes. Em 2001, o livro foi atualizado, ganhou nova capa, diagramação e fôlego e já se vão 20 anos de estrada. É ainda um livro jovem que fala ao leitor jovem com algum conhecimento de causa. E, ao falar, é ouvido. Sim, pois como bem dizia Bartolomeu Campos de Queiroz: "ler é também escutar". No intenso diálogo que se estabelece entre autor, texto e leitor, há uma troca única e exclusiva.
     Mas, voltando à carta da minha leitora (uma carta com caligrafia trêmula), ela assim começava: "Querida Sonia, graças ao seu livro deixei de fazer uma bobagem". Na sequência, ela me relatava seu amor adolescente, pleno de contradições - por ser maravilhoso, intenso e proibido - e da sua preocupação com a insistência de seu namorado em iniciar um relacionamento mais íntimo, já que o amor, o verdadeiro amor, tudo permite, tudo quer, tudo pode. Ela não deixou claro se a "bobagem" a que se referia era dar início à vida sexual ou se - já ultrapassada esta dúvida - era interromper uma gravidez não desejada.
     Para quem não conhece o livro, ele fala sobre as inquietações de uma adolescente chamada Cely diante da gravidez de sua melhor amiga, também adolescente, Darlene. Permeando a  narrativa com trechos do diário de Cely, descobrimos o que acontece em seu íntimo, o quanto de conflito e de incerteza a condição da amiga lhe provoca. Cely é a protagonista, mas quem está grávida é a outra, para que o leitor possa - em cumplicidade - partilhar medos e descobertas de Cely, que também se modifica, ainda que protegida por sua condição de espectadora: ela vive com Darlene uma história solidária e paralela cujas consequências não a atingem (não?).
     Cumplicidade foi o que levou minha leitora, possivelmente sem ter outra opção, a recorrer a mim: "graças ao seu livro deixei de fazer uma bobagem... "
     Por um bom tempo, até poder lhe responder com minha humilde condição de mãe, mulher - em algum canto de mim ainda adolescente - eu me detive na palavra bobagem. Bobagem sexo? Bobagem filho? Bobagem aborto? E escrevi com o cuidado e a delicadeza de quem tem em mãos um pássaro ferido. Hoje, porém, ouço a voz do grande escritor, e me dou conta da força contida no que escrevemos/dizemos.  E o que mais me  impressiona na carta da menina é: "graças ao seu livro..."