quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Leitura 12 - Profissão dona de mim

Profissão dona de mim - FTD Editora

Viver em família é complicado! Ainda mais quando a família entra em crise! E, pior ainda, quando quem está em crise não é um filho, mas a mãe. Como entender? Como ajudar? Como conviver com alguém que se descobre insatisfeita com a vida de dona de casa e quer mudar de qualquer jeito? Entre papos sérios e outros divertidos, a familia inteira se mobiliza para achar a solução! 

trecho - pag.46-52
Conhecendo o diagnóstico.
Um dia a Simone entrou no apartamento comunicando:
- A Teca teve a maior discussão com a mãe dela, hoje. Disse que ela está uma chata.
- E o que é que nós temos a ver com isso? - logo fui cortando o papo dela.
- Nada. Só estou falando pra mamãe saber que não é só ela que anda chata, quer dizer, anda assim com problemas - a Simone logo corrigiu, pois a mamãe estava ouvindo tudo da cozinha. E ainda reforçou:
- Acho bom a mamãe saber que não é só ela que está passando por essa crise dos quarenta.
- Crise dos quarenta? - minha mãe apareceu na sala sem notar que eu e a Silvia estávamos prestes a agarrar o pescoço da Simone. - Quem disse para você que eu estou na crise dos quarenta, Simone?
- A Silvia - ela dedurou, achando que estava dando crédito para a irmã mais velha. - Ela descobriu rapidinho assim que nós contamos para ela sobre os seus chiliques.
- Chiliques! -  mamãe falou, pondo as mãos na cintura. - Ainda mais essa! Eu estou tendo chiliques!
Surpresa, ela sentou no braço do sofá, olhou bem para nós e perguntou:
- Vocês podem me explicar direitinho o que está acontecendo? Se entendi direito, vocês se reuniram para analisar os meus chiliques e a doutora Silvia já deu o seu diagnóstico: crise dos quarenta. Muito bom eu saber disso.
- Sabe o que é, mãe - a Silvia começou a explicar. - Nós ficamos preocupados com você. Você anda meio abatida, triste. Não foi isso, César? - ela perguntou, como quem pede socorro.
- Claro! Foi sem a menor maldade, mãe. só pensamos em ajudar - socorri.
- Pois então saibam de uma coisa - minha mãe falou. - O que eu tenho não é crise dos quarenta coisíssima nenhuma. Não estou me sentindo velha.
- Eu achei que era isso porque todas as pessoas da sua idade começam a se preocupar com uma porção de coisas que antes não perturbava - falou a Silvia. - Todo mundo comenta isso!
...
- Pode ser que mais tarde eu também venha a ter essa crise, não sei - minha mãe continuou. - Talvez também não seja fácil perceber que o físico está murchando, mas por enquanto eu ainda me sinto muito bem. O problema é outro, completamente diferente.
- Então explique, mãe - a Silvia pediu -, ou pelo menos tente, porque eu ainda não saquei direito.
- É difícil explicar - mamãe falou. - É assim como uma coisa que falta. Um buraco vazio. Como se eu não tivesse realizado nada esse tempo todo.
- Mas, mãe! Como não realizou nada? Você já fez tanta coisa! - a Silvia surpreendeu-se.
- Tanta coisa que eu não consigo apalpar - minha mãe retrucou. - Não existe nada concreto que eu possa dizer: "isso aqui foi feito por mim."
- Essa é muito boa! Nós fomos feitos por você - brincou a Simone. E podemos ser apalpados.
- Eu sei, querida - a mamãe esboçou um sorriso. - Esse lado está preenchido, realizado e não me arrependo de nada. Porém ficou um outro lado completamente inútil.
- Você quer dizer um lado profissional? - perguntei.
- Também, filho. Um lado onde você possa ver um resultado concreto. Um lado que te dê satisfação, orgulho. Algo que você tenha conquistado.
- Mas, mãe - falou Silvia -, me diz uma coisa: o que você conquista com o trabalho além de um pouco de dinheiro?
- Muita coisa, filha. O trabalho dá uma sensação de utilidade, de produção... Acho que é isso. Eu não me sinto produtiva.
...
Minha mãe continuou procurando a tal coisa que estava faltando e pareceu mais calma ou, pelo menos, fingiu estar. Uma vez ou outra conversava numa boa e parecia estar lendo bastante também. Ela tinha sacado que teria que se ajudar sozinha. Só mesmo ela poderia chegar à conclusão do que estava faltando. Mamãe só não percebia que, de um jeito ou de outro, esse assunto sempre vinha à baila. Até nas brincadeiras, nas frases irônicas que a gente diz quando está contrariado com alguèm. Sempre era dita alguma coisa como: "É só para isso que eu sirvo, mesmo"; "Ninguém respeita o meu espaço". Esse tal de espaço que todos aconselhavam a mamãe  a procurar e ela não encontrava. Tudo isso estava nos dando um tremendo trabalho.

  

terça-feira, 11 de outubro de 2011

Ilustração 6 - Arthur Rackham (1867-1939)

Sempre vale apreciar o talento de um artista. As imagens (uma pequena amostra) dispensam comentários.

A Fairy



King of golden river



   Alice in Wonderland (by Lewis Carroll)



Fair Helena

Leitura 11 - Meu destino sou eu

Meu destino sou eu
Editora FTD
Trecho - Capítulo X - pags. 35/36

Pai e filho se encontraram na porta de casa.
- Não tem ninguém - Pedro avisou. E eu estou sem a chave.
- Como não tem ninguém? - irritou-se o pai, já colocando a chave na porta. - Onde se enfiou a sua mãe?
- Deve estar na loja. Ela costuma chegar um pouco mais tarde - disse Pedro, consultando o relógio. - Você é que chegou cedo.
- É. Quis fazer uma surpresa e fui surpreendido - reclamou o pai, enquanto entrava e ia direto discar para a loja.
- Clara? Sara? Avisa a sua mãe que eu já estou em casa.
Júlio desligou o telefone, zangado. Nem sombra da satisfação estampada no rosto quando tudo corria conforme seus planos. Algo tinha saído da rota.
Após uns quinze minutos, depois de terem fechado a loja apressadas e descido ladeira abaixo praticamente correndo, Sara, Clara e Edna entraram em casa. Elas bem sabiam o quanto Júlio desaprovava a loja e os transtornos provocados por ela em sua vida.
- Oi, querido. - Edna foi logo beijar o seu rosto.
- Oi - respondeu ele, lacônico e recebendo indiferente também os beijos das filhas.
- Chegou cedo hoje! - comentou Edna, guardando a bolsa.
- E você, tarde - respondeu ele.
- Tarde? Mas este é o meu horário! - ela estranhou.
- Que horário? - disse ele. - Você fecha a loja na hora que quiser.
- Pois então - ela o enfrentou. - Esta é a hora que eu quero.
- Já vão começar... - Sara falou baixinho para Clara.
- Você sabe que destesto não te encontrar em casa quando chego, Edna - Júlio protestou.
- Então me arranje uma bola de cristal pra eu poder adivinhar quando você vai chegar mais cedo. Certo? Eu estava trabalhando, sabia? Tra-ba-lhan-do.
- Sem precisar - emendou Júlio.
- Você implica com o meu trabalho, Júlio. E, pior, só lembra de mim quando eu não estou  em casa. Sou notada pela ausência!
E, dizendo isso, Edna correu para o quarto e se trancou. Júlio pareceu não se importar. Esta cena era reprise de muitas outras. então, voltou-se para o filho.
- Campeão, já vi que não sai janta hoje. Quer ir comigo numa lanchonete?
- Acho que não, pai. Eu estou uma fera hoje.
- É mesmo? Então vamos juntos nos consolar. Você me conta o que aconteceu pelo caminho. Vem, campeão - insistiu Júlio.
Júlio passou o braço pelo ombro do filho e, voltando-se para Clara e Sara, que, mudas, assistiam a eterna discussão, disse:
- Vocês duas façam companhia para a sua mãe.
Logo em seguida, Sara e Clara puderam ouvir os dois conversando do outro lado da porta:
- E elas vão comer o quê, pai?
- Elas se viram na cozinha, campeão... São mulheres...
(cap. XI - pag. 39)
...
Pouco tempo depois, Júlio e Pedro voltaram.
Arrependido, Júlio chamou Edna para o quarto para conversar. Sara já sabia o fim da história. Tinha assistido a essa cena inúmeras vezes. Ele pediria desculpas, assumiria que tinha exagerado na sua reação, no seu ciúme, na sua sensação de posse, na sua autoridade. Edna, ainda aborrecida, o perdoaria, e os dias passariam tranquilos até que algo parecido acontecesse outra vez...
Naquela noite, Sara custou a pegar no sono. Ficou relembrando várias passagens da sua infância. Nelas, invariavelmente, seu pai aparecia como aquele que roubava dela e da irmã toda a possibilidade de voo, toda a sensação de liberdade, de ser capaz.