quinta-feira, 18 de setembro de 2014

Resenha do livro Eu, cidadão do mundo, por Carol Durães

Dicas de Leituras Juvenis: "Eu, Cidadão do Mundo" - Sonia Salerno Forjaz
 
Sinopse - "Este livro aborda questões fundamentais como o respeito, a ética, a cidadania, a valorização do idoso e a disciplina, levando o jovem a compreender que, mais do que discursos filosóficos, esses temas são ferramentas para a vida em sociedade.
Convidado a coordenar as atividades jovens do clube da pequena cidade, Ricardo achou a tarefa simples até ver o caos instalado, fruto da liberdade que ele mesmo fez questão de incentivar. Sem regras, a convivência mostrou-se impossível, a comunicação inexistente, a realização de qualquer projeto, inviável. Muita coisa precisou acontecer até que todos compreendessem que ética e respeito não podem ser esquecidos quando a questão envolve cidadania. ... Foi preciso que muita coisa acontecesse e que muitas ideias fossem trocadas para que todos descobrissem o porquê de tantas regras e compreendessem que valores, como educação e respeito, jamais podem ser preteridos, quando a questão envolve Cidadãos do Mundo!"
 
   Opinião -  "Eu, cidadão do mundo" é um livro que traz um conteúdo reflexivo sobre cidadania, de forma que os jovens (e os adultos também!) consigam entender que a sociedade não é feita apenas de direitos, mas também de deveres.  Narrado em terceira pessoa, o livro tem como protagonista Ricardo, um adolescente de 17 anos que mora com o seu tio, o Bira. Bira é dono de uma gráfica e está tentando revitalizar o clube local da pequena cidade.
   Bira é a uma das pontes para o passado, onde Ricardo conhece as maravilhas que tinham no clube: bailes, reuniões e até mesmo simples encontros que alegravam o dia de todos. Então, como não pensar em revitalização e não pensar nos jovens?  Eis que Bira sugere a Ricardo formar a Ala Jovem no clube, onde eles possam promover atividades e eventos que incluam a participação dos demais adolescentes.  Acontece que Ricardo acredita que a melhor forma de coordenar os conhecidos é na verdade bem simples: não ter regras! Mas será que isso poderá dar certo?

"-Em grupo não dá para viver tão livremente assim Ricardo - Bira insistiu. - Pelo menos, não com essa liberdade total que você está sonhando. Liberdade, Ricardo, é uma coisa que você precisa conquistar. Ninguém dá liberdade ao outro, como você está pretendendo...." (p. 110)

    A autora soube abordar bem, nessa micro sociedade que é o clube, diversos problemas que observamos em nosso cotidiano, como por exemplo, a existência de pessoas que fazem questão de contrariar e que se acham merecedoras, mesmo não tendo realizado nada. A velha questão do egocentrismo prejudicando a formação de um conjunto.
    Mas não é apenas no clube que a história acontece. Outros personagens também abordam situações cotidianas, como Priscila, a namorada de Ricardo, que foi vítima de um assalto no ônibus e está traumatizada com o evento; ou Eugênia, uma jovem que tem dificuldades em aceitar o seu corpo, resultando em problemas de autoimagem ou então Ronaldo, um amigo de Ricardo que é viciado em computadores, deixando de viver o presente real para viver uma fantasia.
    "Eu, cidadão do mundo" é uma leitura rica em conteúdo, mas que consegue ter uma leveza na hora de discutir os assuntos. Conforme acompanham a vida desses adolescentes e seus aprendizados, os leitores refletem sobre as próprias vidas e até mesmo começam a compreender que a sociedade é construída em cima de um equilíbrio de direitos e deveres.
    Um ótimo livro para ser lido junto com os filhos! O livro também contêm ilustrações de Daniel Lopes, que auxilia na construção dos cenários e enriquece o enredo.

"- E aí é que está o problema. Porque o homem, atualmente, tem valorizado tanto o seu aspecto individual que se confunde todo quando tem que se integrar com o coletivo. Em grupo, precisamos saber respeitar, ouvir, ceder, ponderar....e isso, como você estão sentindo, é um exercício difícil para quem vive pensando em si mesmo o tempo todo". (p. 155)
 
por Carol Durães
Blog Acordei com vontade de ler (ago/2014)

segunda-feira, 18 de agosto de 2014

O cortador de bambu é dica de leitura para jovens!

Você acha que a cultura do passado também molda quem somos?
E acha isso ainda que essa cultura seja milenar e venha do outro lado do mundo?


     As questões acima parecem estranhas, mas não são. Ao contrário, são quase óbvias, pois somos o resultado de influências múltiplas, nem sempre perceptíveis, de frases ditas e repetidas, de conceitos ultrapassados, de valores que perduram (ou deveriam perdurar), de um misto de coisas, ideias, pensamentos e discursos transmitidos pelas gerações através de palavras, atos, omissões.
 
     Assim era com a tradição oral, suas histórias transmitidas de pais para filhos através dos tempos. Histórias depois registradas pela escrita, transformadas, adaptadas, recontadas um sem contar de vezes, assim como se faz e se refaz o mundo.
 
     Mesmo que esas histórias venham do Oriente para o Ocidente, falam de um mesmo homem e nele nos reconhecemos. Por identidade, associação ou negação, entendemos sua cultura e através de suas histórias mágicas também nos redescobrimos.

     Sim, a cultura do passado - de lá e de cá - também nos molda e nos faz contar a nossa história, nos faz quem somos. E por isso é tão importante ler, saber, descobrir sobre outros homens, outras épocas, outros estilos de vida. A cultura nos explica e nos traduz. Por isso, tão bem-vinda uma indicação de leitura de contos tradicionais para os jovens. Tão acertada a coluna criada pelo blog Acordei com vontade de ler para dar dicas de leituras para pais e professores, dirigidas aos jovens leitores. Além dos romances, tão ao gosto do jovem, o blog indica contos da tradição oral como os selecionados no O contador de bambu e outros contos japoneses, da Editora Aquariana/DeLeitura e, assim, divulga cultura. Incentiva o hábito da leitura abrindo um leque de possibilidades capaz de atrair e informar diferentes leitores.
 
     Um prazer ter um trabalho resenhado pelo blog, contar com a leitura cuidadosa e atenta de Carol Durães que, por amar os livros, os divulga, incentivando o jovem à buscá-los nos mais diversificados gêneros.
 
     Vale acessar o link e conferir. E eu, aqui, cheia de orgulho pelo filhote,
agradeço.

http://www.acordeicomvontadedeler.com/2014/08/dicas-de-leituras-juvenis-o-cortador-de.html

segunda-feira, 14 de julho de 2014

Meu destino sou eu - Mais uma dica de leitura!

O blog Acordei com vontade de ler dá mais uma dica de leitura para os jovens de um livro de minha autoria. Meu destino sou eu - livro que fala sobre a questão dos gêneros, os preconceitos que ainda pairam nos discursos e nas atitudes de homens e mulheres eternizando papeis que não mais cabem na sociedade contemporânea. A jovem Sara, protagonista, inconformada com os limites que lhe são impostos, vivencia experiências transformadoras e assume o comando de seu destino.

Leia, abaixo, a opinião de Carol e confira resenha na integra no link: http://www.acordeicomvontadedeler.com/2014/07/dicas-de-leituras-juvenis-nacional-meu.html

Minha opinião - "Meu Destino Sou Eu" tem como protagonista Sara, uma jovem que estuda no colégio Literatus. Sara tem uma irmã gêmea, a Clara, e um irmão mais novo, o Pedro. O convívio familiar apresenta um certo desequilíbrio no que se refere a dinâmica dos pais. Júlio acredita que D. Edna precisa estar em casa quando ele chega do trabalho, e que não precisa trabalhar fora, pois ele é o provedor da casa. D. Edna por sua vez, mesmo querendo abrir suas asas, acata as vontades do marido. 
"Sara já sabia o fim da história. Tinha assistido inúmeras vezes. Ele pediria desculpas, assumiria que tinha exagerado na sua reação, no seu ciúme, na sua sensação de posse, na sua autoridade. Edna, ainda aborrecida, o perdoaria, e os dias passariam tranquilos até que algo parecido acontecesse outra vez...." (p. 39)
No colégio, um novo professor de artes plásticas, Paulo Fontoura, tenta conscientizar a sua turma de que eles podem fazer o que quiserem, desde que se esforcem, mas começa a observar que as garotas de sua sala são mais hesitantes em acreditar em si mesmas.
Começa aí uma reflexão sobre alguns valores. Será que ainda vivemos em uma sociedade machista? Ainda moldamos as jovens de maneira que as façam acreditar que precisam se esforçar mais apenas para serem consideradas para uma determinada vaga de emprego ou promoção?
Existem personagens femininas no livro que representam essa "agressividade" no trabalho, como a Bárbara, funcionária da agência de viagens. 
Sara começa a observar os exemplos em sua volta e a questionar se consegue ou não atingir seus objetivos, quando a diretora do colégio resolve promover um concurso, onde um único ganhador irá viajar em um intercâmbio. 
Júlio acredita que a filha não vá conseguir, por ser garota, e mesmo que consiga, não poderia viajar sozinha. Regra essa que não se aplica ao filho mais novo e imaturo Pedro, apenas pelo fato dele ser um garoto.
O professor Paulo acredita que todos têm chances iguais de ganhar. E as amigas de Sara encontram-se divididas por razões diferentes: Isabel não quer abrir mão do namorado, pois sabe que ao destacar-se mais do que ele, o relacionamento será terminado. Cíntia não gosta de perder, pois sabe que para impressionar a família, o primeiro lugar é o único que conta e Estela precisa conhecer algumas realidades diferentes da sua para entender como é difícil para algumas famílias sobreviverem diariamente. Clara, a outra metade de Sara, não quer competir, pois não se sente tão deslocada como a sua irmã.
O enredo fala de diferenças culturais e sociais entre homens e mulheres, mas também fala da necessidade do jovem acreditar em si mesmo, explorar seus potenciais e não deixar que terceiros o impeçam de realizar os seus sonhos.
O livro ainda possui algumas ilustrações de Marcos Guilherme para enriquecer ainda mais o conteúdo.

segunda-feira, 7 de julho de 2014

Espelhos Partidos inaugura coluna em blog de incentivo à leitura!

   O blog Acordei com vontade de ler (http://www.acordeicomvontadedeler.com) lança coluna de dicas de leituras juvenis com o livro Espelhos Partidos - um conto sem fadas.
 
   Com o objetivo de sugerir boas leituras para jovens, pais e educadores, o blog trará, além da resenha habitualmente feita, informações de 4a. capa e ainda palavras dos autores sobre o que motivou a escrita do romance.
 
   Este formato dará ao leitor um panorama dos livros desde a sua concepção: a criação do texto (motivação do autor), sinopses e releases (visão do editor)  e, o mais importante, a resenha do  leitor - uma leitura crítica promovida pelo blog, destacando impressões, pontos altos e razões que justificam a indicação do livro. 
 
   Carol Durães, uma das idealizadoras do Acordei com vontade de ler,  é quem dá a dica e expõe suas razões:

Minha opinião
     O livro é narrado em primeira pessoa pela protagonista Flávia, uma adolescente que está vivendo as dores do primeiro amor. Flávia mora com sua mãe e sua irmã Lígia. Seus pais são separados e seu pai tem uma nova família, inclusive um filho. As melhores amigas de Flávia são Salete, Rúbia, Jane e Vilminha e o grupinho vive conversando sobre assuntos normais de adolescência.
     A vida de Flávia segue a sua rotina até que Salete apresenta seu tio, Júlio Figueiredo. Júlio é um homem mais velho, bonito e sedutor. Flávia fica fascinada com Júlio desde o primeiro momento em que o vê e Júlio começa a entrar em contato com a garota para que os dois saiam. O "relacionamento" dos dois é conturbado, seja pelos segredos que Júlio carrega ou pela rapidez que tudo acontece. 
     O interessante da obra é que a autora trabalha muito bem com a questão da identidade, através da protagonista. Flávia é jovem e absorve as experiências do seu meio. O casamento desfeito de seus pais, o rancor de sua mãe pela nova família do ex-marido e o esquecimento do pai com a primeira família. Flávia é doce e muito insegura. A maneira como a insegurança e o crescimento pessoal são apresentados na obra prendem o leitor pelo seu realismo. 
     O livro ainda apresenta o conto africano "Marama no rio dos crocodilos" que no início de cada capítulo irá trazer uma grande lição. A relação entre a história de Flávia e do conto demonstra que mesmo através de tempos e culturas diferentes, é preciso conhecer sua própria identidade para conseguir seguir em frente. 
     A revisão, diagramação e layout foi muito bem feita. A capa não é muito atraente, mas o conteúdo é maravilhoso.

"Tanto quanto Marama, eu precisava me aceitar e me respeitar. Não podia pautar a minha vida segundo o pilão da minha mãe ou de qualquer outra pessoa, inclusive Julinho, em quem eu também tinha me escorado. Agindo assim, eu sempre estava colocando o meu valor fora de mim, por isso ele não se sustentava". (p. 120)
 
Obrigada, Carol e blog Acordei com vontade de ler! Que outras iniciativas como esta surjam em prol do livro e da leitura.

quarta-feira, 11 de junho de 2014

Livros Selecionados - Bibliografia Brasileira de Literatura Infantil e Juvenil -


Divulgada na sua versão online, a Bibliografia Brasileira de Literatura Infantil e Juvenil da Prefeitura de São Paulo – Secretaria da Cultura - passa a ser mais conhecida.
A partir do ano de 1994, devido à grande produção editorial de literatura infantil e juvenil, o registro - antes baseado na produção anual -  passou a ser considerado um prêmio para os autores de texto e de imagem, já que o catálogo passava a ser produzido a partir de uma seleta e rigorosa avaliação de especialistas, baseados em critérios de níveis de excelência.
Por isso, é com orgulho que registro aqui a presença de diversos títulos de minha autoria selecionados para produzir diferentes catálogos desta importante Bibliografia.
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Autor - Sonia Salerno Forjaz
Obras selecionadas:
Catálogo de 1993 -  Acampando com papai - Edições Paulinas

Catálogo de 1994 - Um gosto de quero mais – FTD,   Papai não é Perfeito – FTD

Catálogo de 1997Um caso para Mister X - Moderna

Catálogo de 1998 - Acorda que a corda é bamba -DeLeitura

Catálogo de 1999Profissão dona de mim – FTD,  Tempos de                                      viver – DeLeitura/Aquariana
Catálogo de 2001Um gosto de quero mais – FTD – reedição

Catálogo de 2007O rei do vou fazer – DeLeitura/Aquariana

Catálogo de  2009O Ser / O Ter – DeLeitura/Aquariana
                                      Coleção Lanterna Mágica (4 volumes) – DeLeitura/Aquariana:
                                        A princesa  sapo, A magia do amor, O anel mágico, Búkolla, a vaca encantada
                                      Coleção Contos Mágicos – (3 volumes) - DeLeitura/Aquariana:
                                      A princesa que enganou a morte e outros contos indianos; A filha do  Rei Dragão e  outros contos chineses,  O falcão brilhante e outros contos russos.
A lista é produzida desde 1945, em diferentes formatos, e as obras selecionadas podem ser encontradas na Biblioteca Infantojuvenil Monteiro Lobato.
fonte: http://www.bibliografiainfantilejuvenil.prefeitura.sp.gov.br/

sexta-feira, 6 de junho de 2014

Flavia não tem respostas. Mas o que você diria?



     Se uma jovem de 15 anos se apaixonasse por um homem de mais de 30 anos e, por ele, só por ele, decidisse mudar toda a sua vida. O que você diria?

     E se, como numa história reflexa num espelho, o pai dessa jovem tivesse, dois anos antes, saído de casa por estar apaixonado por uma mulher que tinha a metade da sua idade.  O que você diria?

     Se o pai de Flavia saiu de casa, deixou mulher e filhas para viver um novo e grande amor, por que razão não pode Júlio sair de casa, deixar mulher e filha para viver seu novo e grande amor com Flávia?
      Como tentar mostrar a Flávia as diferenças dessas duas histórias? Mas quais são exatamente essas diferenças? Elas existem?

     Flávia não tem respostas. Sua mãe a acusa. O pai não tem argumentos. As amigas não sabem quem é o misterioso amor de Flávia.
     Ela vai buscar explicações onde alcança: nas histórias, nos contos mágicos, nos arquétipos, na Psicologia. Em tudo lê aquilo que lhe interessa e nada mais enxerga além do grande amor que está vivendo.

     Flávia vive um conflito. Flávia vive seu primeiro amor. Flávia se   confronta com o espelho e não mais se reconhece.
     Num romance intenso onde ela atua como sua  bruxa e sua fada, sendo heroína e sendo vítima, seguindo apenas impulsos, Flávia escreve uma história atual que tem suas raízes em tempos remotos, pois fala do humano e do amor.
     O espelho agora está partido, assim como suas crenças, sua ingenuidade e seu amor próprio.
    
    
 

quinta-feira, 29 de maio de 2014

Leitura 18 - Se esta história fosse minha

                                                     "Se esta rua fosse minha
                                                       Eu mandava ladrilhar
                                                       Com pedrinhas de brilhante
                                                       Para o meu amor passar"
                                                            (Cantiga popular)

   Anos atrás, depois de uma visita a uma escola e de   um encontro enriquecedor com alunos, fui convidada pelos professores a participar de um café, uma pequena reunião. Eles estavam discutindo sobre a adoção de livros e indicação de leituras e comentaram sobre alguns problemas recorrentes nas escolas, difíceis de serem explicados a alunos de 9 a 12 anos.
- As questões éticas, por exemplo, são abstratas demais para que eles entendam - disse a professora Marta. - No entanto, elas estão no nosso dia a dia e em cada atitude que tomamos.
- E  não apenas dentro da escola. Os alunos trazem questões sobre a convivência em casa, nas relações com os amigos... - completou a coordenadora Célia.
- Ontem mesmo tivemos uma experiência assim assim - contou Pedro, o professor de Português. - Uma aluna perguntou se o correto é contar ou não contar para um adulto algo que descobre sobre o irmão ou um amigo e que ela acha estar errado. O que é mais certo fazer?
- A questão da delação é delicada - argumentei. - Mas, felizmente, esses temas filosóficos aparecem na literatura infantil. Em alguns casos, um bom livro ajuda a levantar discussões, até porque os fatos se referem a personagens. Fica mais fácil apontar falhas e acertos.
- Há um certo distanciamento... - ajudou Célia.
- Sim, concordo - disse Pedro. - Porém, embora em várias histórias infantis você encontre exemplos, essas questões mais sutis costumam aparecer em livros de mais fôlego, romances para leitores de  treze, quatorze anos. Eu acho que o momento que vivemos exige uma mudança de atitude. Os fatos praticamente impõem que certos conceitos sejam antecipados e abordados com alunos mais novos.
- De uma forma suave, imagino - retrucou, Marta.
- É - continuou Pedro. - Eu não diria suave, tem de ser clara, verdadeira, mas talvez em histórias mais curtas, dentro de um contexto que eles conheçam... - O que você acha, Sonia?

   Assim, a questão veio para mim e os diálogos foram se aprofundando, se delineando, graças à entusiasmada participação de todos. Afinal, todos sentiam a mesma necessidade e urgência: dar aos alunos ferramentas para maior compreensão de si, do outro, do mundo. Conscientizar, de modo a colaborar com a boa formação e atuação desses meninos num mundo nem sempre justo ou coerente.

   Surgiu ali mesmo um projeto. Do projeto, à coleta de histórias reais acontecidas em escolas ou em seu entorno - uma delas, inclusive, vivenciada por mim. Assim nasceu o livro  Se esta história fosse minha. Cinco histórias verídicas, envolvendo alunos, pais, professores, seres humanos que precisam admitir, corrigir e perdoar falhas assim como se comemoram acertos. Com sinceridade, os fatos foram narrados, trazendo à tona a emoção daqueles que as vivenciaram. Com o mesmo desejo de acertar, transformei as histórias vividas em textos romanceados, em diálogos que nos levam a refletir sobre nós mesmos, sobre a ética que deve permear as relações.

   Nossos temas escolhidos foram: Abuso de poder; Preconceito Racial; Delação; Corrupção; Mentira. Após os textos, criei um roteiro de discussão intitulado Papo Cabeça que é utilizado livremente pelo professor, com todas as variáveis que uma conversa em sala de aula possa apontar. E, depois da discussão orientada, há o convite para que os alunos escrevam, dando sua  opinião sobre o assunto. Daí o nome do livro: Se esta história fosse minha.

   Comumente criticamos, apontamos defeitos e falhas com uma facilidade digna de nota. Falamos mal da administração pública, da política, dos esportes, como se para tudo tivéssemos uma solução infalível. No entanto, se alguém indagar sobre o que faríamos a respeito, nossa aparente experiência simplesmente evapora. Na maioria das vezes, sabemos criticar, não apontar soluções.  Ao mesmo tempo, queremos, e queremos de verdade, acabar com as desigualdades e as injustiças.

   Se esta história fosse minha propõe que questões relevantes sobre cidadania sejam mostradas para os jovens leitores para que eles se conscientizem e, mais do que isso, pensem a respeito. Se esta história fosse minha não traz e não pede respostas certas. Pede apenas respeito e reflexão.

   Não à toa, o livro circula pelas escolas, levando sua contribuição. Não à toa, uma aluna chamada Lia me escreveu: Sonia, li seu livro e mostrei para o meu pai. Ele sempre quis me falar sobre preconceito e não sabia como fazer. Ele sente o preconceito, eu sinto, mas não falamos. Lemos juntos sua história e ele me ajudou a fazer a redação. Se a história Alma Branca fosse minha e eu fosse a Gabi, eu chamava a menina negra pra sentar comigo no ônibus.

   Ah, se esta rua fosse minha, eu mandava, eu mandava ladrilhar... inteirinha pra você, menina Lia.

quarta-feira, 16 de abril de 2014

Artigo 4 - Literatura e Sociedade

Trecho de análise literária realizada pela AKRÓPOLIS - Revista de Ciências Humanas da UNIPAR
Akrópolis, Umuarama, v.12, nº.3, jul./set., sobre o livro “UM GOSTO DE QUERO MAIS”, nos dá uma ideia do alcance que pode ter a literatura para jovens leitores; do quanto pode ser dito e revelado sobre épocas, hábitos e costumes, ideologias, sociedade; do quanto pode ser revelado sobre o outro e, por contraste ou por identidade, sobre nós mesmos.

Um romance pode nos levar a entender nuances de um tempo, modos de existir, conviver e ser. Não à toa, tão importante a leitura que revela personagens múltiplos, emoções, ideais, reflexões que - não sendo nossas - podem nos colocar em confronto ou em cumplicidade, moldando nossas crenças pessoais, nos fazendo crescer.

Se o texto aborda um tema polêmico ou inovador, pode, muitas vezes, desencadear pequenos debates e conscientizações, a exemplo do que costumam fazer as novelas e seriados da TV, na exposição da vida contemporânea, seus tabus e preconceitos.

O trecho da análise abaixo nos reforça isso: não há melhor modo de aprender sobre a vida do que vivenciando experiências outras que, se não nos atingem diretamente, também não nos deixam totalmente ilesos. Cuidadoso trabalho que revela o quanto pode estar contido nas falas e opiniões de personagens, nas linhas e entrelinhas de um romance. Sim, a leitura transforma.

Para ler o estudo na íntegra, acesse: revistas.unipar.br/akropolis/article/viewFile/400/365

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Sobre "Um gosto de quero mais" - AKRÓPOLIS - Revista de Ciências Humanas da UNIPAR
 
" 'Destacam-se três gerações em uma mesma família, cada uma com suas diferenças entre idade x ideologia. Há um questionamento dos valores sociais. É como se a autora procurasse denunciá-los através de uma história. A personagem Cely escreve em seu diário sobre a infância reprimida da avó. “Ela sempre quis estudar mais e o seu pai não deixou.” (p.09) Continua falando da mãe “Viveu com mais liberdade, porém uma liberdade vigiada bem de pertinho.” (p.10) Hoje Cely tem mais oportunidades: “Papai adora investir em educação!” (p.11). As obrigações diárias também mudaram; no tempo da vovó já era difícil: “Já no meu tempo era assim. Trabalhar e trabalhar. Criar filhos, correr com a casa, com a roupa... Não tinha fim.” (p.16) Com a personagem Nancy já é um pouco diferente: “Casas, comida, compras de supermercados, feira... Fora o trabalho das escolas: provas, aulas, apostilas... É demais pra ela.” (p.15). Cely oferece ajuda e a mãe, querendo futuro melhor para a filha, quer que ela estude “- Não, filha, vá estudar que você tem prova hoje.” (p.13) A personagem Cely mostra que pelas conversas que tem com a avó e a mãe já tem uma preocupação, uma ideologia de querer ser mais do que as duas. Percebe que em seu futuro terá algo mais do que elas. “Hoje isso não existe. É preciso ser alguma coisa mais. Temos todas as chances. Educação, informação, mil cursos paralelos...” (p.11)

O crítico Hall(1999,09), ao analisar a identidade moderna, ressalta que  “[estas] transformações estão também mudando nossas identidades pessoais, abalando a idéia que temos de nós próprios como sujeitos integrados”. (grifamos)

.....

Uma forma contemporânea muita bem articulada pela autora é referente ao título Um Gosto de Quero Mais. Acredita-se que a autora pensou em melhorar o social, despertar o interesse do adolescente pelo título, pois este faz com que a ideia se volte para a sensualidade, já que o enfoque é a gravidez na adolescência mas, no decorrer da narrativa, a avó de Cely  revela que  “um gosto de quero-mais” nada mais é do que anseios e desejos de todos os seres humanos. “A verdade é que nós nunca estamos completamente satisfeitos. Fica, em tudo, aquele gosto de quero-mais.” (p.32) Este pensamento se completa no final com Cely: “Este é o gosto de quero-mais. Um gosto que não se define, é preciso sentir. É conquistar uma meta enquanto já se quer outra. É não fechar os olhos. É sentir profundamente cheiros, cores e emoções. É amar a vida. É viver!” (p.139)

Correlacionando todos os aspectos analisados, observa-se a preocupação da autora em chamar a atenção do leitor no que diz respeito à responsabilidade sobre nossos atos. Na narrativa a família não desampara a filha grávida e o namorado, mas estes são obrigados a assumir o bebê que vem e abrir mão do tipo de vida que tinham: “Ela trabalha como recepcionista de um consultório médico no período da manhã.” “À tarde ela cuida da filha...”. “Beto arrumou um emprego na firma de contabilidade do tio.” “À noite, Darlene vai para a escola com Beto.” (p.132). Tais falas parecem lembrar ao leitor que, também nesta fase, nos tornamos responsáveis por aquilo que fazemos, querendo ou não.

Acreditamos que a Indústria Cultural colabora trazendo formas novas para despertar a curiosidade dos alunos. Problematiza abordando estéticas inovadoras, tornando mais fácil o acesso a estas obras para o público infanto-juvenil. E para o bem ou para o mal este tipo de recurso é bem sucedido.' "

sexta-feira, 14 de março de 2014

Se valesse a pena


 
Sonia Salerno Forjaz

     Eu não me importaria de trabalhar tanto, se valesse a pena.
     Não me importaria de levantar ainda escuro, quando tudo ainda dorme, nem de lavar meu rosto nesta água fria que me obriga a acordar e a viver.

     Eu não me importaria de vestir roupa tão rota, se valesse a pena.
     Não me queixaria nunca, nem praguejaria mais, se tanto esforço tivesse algum retorno, um benefício.

     Eu não me importaria de morar tão longe, se na minha volta eu não continuasse tão vazio. Vazio nos bolsos, no coração, nas mãos cansadas.
     Não choraria essa sina minha, se cada gota de suor valesse um sorriso do meu menino.

     Eu sempre falei com meus botões que meus planos para ele eram bem outros. Que não daria a ele a vida que levei, e tudo está no mesmo. Ele já sofre as consequências do que não conhece.
     Eu não me importaria de levar vida tão dura, se não fosse  o seu olhar, quando chego, a procurar nas mãos o presente que nunca pediu. Se não fosse esse vasculhar esperançoso de não me ver assim vazio.

     Ora trago uma pedra diferente de beira de rio, ora um maço de cigarros sujo, pisoteado e tão vazio quanto eu, só pra dizer que trouxe alguma coisa. Ele agradece e diz que vai colecionar essas lembranças. Bugigangas que lhe trago quando ainda volto com olhos abertos vasculhando chãos, como ele faz comigo e com minhas mãos.
     Eu não me importaria com nada, se nada fosse como é.

     Não me importaria de acordar tão cedo e tão frio, se valesse a pena. Não me importaria mesmo.
     Bastava ver, no meu regresso, os olhinhos dele faiscando, um sorriso brincando, uma mão se estendendo.

     Bastava deixar de ver sua esperança frustrada, deixar de assistir, dia após dia,  seu arzinho faminto de novidades e surpresas.
     Bastava muito pouco acontecer e eu não me importaria com nada... se valesse a pena.

sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

Capas 6 - O antes e o agora - Eu, cidadão do mundo

   Conheça as duas versões de capas feitas para o livro Eu, cidadão do mundo. O livro conta a história de Ricardo, jovem convidado para coordenar as atividades do clube de uma pequena cidade. Tarefa que parecia simples, até ele descobrir o quão complexo é lidar com grupos de pessoas diferentes nas ideias, nos objetivos, nas atitudes. Ricardo descobre que conviver é difícil, liderar ainda mais, e tenta estabelecer entre todos um diálogo quase impossível.
   O clube estabelece um paralelo com a sociedade, um microcosmo daquilo que vivemos em escala maior: questões que envolvem liderança, decisões comuns para interesses nem sempre convergentes, mas sobretudo, que exigem relações pautadas pela ética e pelo respeito.
   Somos todos cidadãos do mundo e nele precisamos aprender a existir. Por isso, a primeira capa, de João Baptista da Costa Aguiar, inspirou-se num cenário cósmico no qual a palavra EU se insere como parte integrante. Já, Niky Venâncio criou a segunda capa, estampando a palavra EU sobre a representação do globo terrestre e a cercou de pegadas humanas: indivíduo, andarilho, em busca de si e do outro nesse vasto, vasto Mundo.   
   Duas interpertações para um mesmo texto que, ao falar sobre o Homem, permite inúmeras e ricas leituras.

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

Textos 1 - Espelhos Partidos – um conto sem fadas

Parte I – Prefácio 

    “Certas manhãs, devíamos ignorar o ruído estridente do despertador e permanecer na cama, debaixo das cobertas, cabeça enfiada no travesseiro, nariz sufocado, olhos bem fechados e desistir de viver. Parar de respirar, de pensar, de ver, de andar. Fazer uma pausa, um intervalo, coisa assim leve, passageira e provisória, que eu também não sou tão trágica. Tirar umas férias de vida. Isso. Férias. Só isso.

   Se eu soubesse disso antes, talvez nada tivesse acontecido. Mas como eu não sabia, naquela manhã infeliz, levantei, tomei café, me arrumei e fui para a escola. Andei feito barata tonta na sala de aula, no pátio, no caminho de volta, no hall de entrada do prédio onde moro. Apertei o botão do elevador, distraída, assim meio que flutuando no espaço, envolvida por doces lembranças em BUM!!!
- Ei, que droga! Tá dormindo, Flávia?

   A Lígia, minha irmã, implicou comigo, mal a gente se cruzou. Quer dizer, trombou. Eu querendo entrar e ela saindo do elevador, apressada, derrubando tudo o que eu tinha nas mãos.

- Ai! A culpa não foi minha. Você que é estabanada! – reclamei, furiosa.
- Eu sou estabanada? Você é que tinha de me esperar sair, mas vive no mundo da lua!

   Ela falava, enquanto pegávamos as coisas que tinham ficado espalhadas no chão: livros, agenda, o material inteiro. Preferi não retrucar e continuei recolhendo tudo, na minha. Não estava querendo conversa, quanto mais, briga. Mas, como nem tudo é como a gente quer, minha irmã deu de cara bem com o que não podia...
- O que é isso, Flávia? – ela perguntou, já de pé, esfregando no meu nariz o envelope perfumado que tinha voado de dentro do meu caderno.

- Nada, Lígia. Não se mete – estendi o braço para apanhar o que era meu.
- Você está escrevendo para aquele sujeitinho?

- Não! Me dá isso aqui. Vai embora, Lígia. Você não estava com pressa?
- Como não? Tá escrito aqui, ó: Júlio Figueiredo. Existe outro, por acaso? Agora também fazem clones de abacaxis? Deixa só a mamãe saber disso – ela ameaçou, abanando o envelope e voltando para o apartamento pela escada.

   Fui atrás e tentei segurá-la.
- Delatora, metida, não faz isso! – implorei, agarrada à sua blusa.

   A blusa esticava, Lígia tentava se desvencilhar, mas, decidida, subiu  aos berros:
- MÃE!!! Ô MÃE, OLHA ISSO!

- Para, Lígia. Eu faço qualquer coisa, o que você quiser, mas não conta...
   Não tive tempo de fazer chantagem ou prometer nada porque a mamãe logo apareceu na sala.

- Que gritaria é essa? O que aconteceu, Lígia? Você não tinha ido para a escola?
- Tinha – a Lígia falou, firme e dramática. – Mas o destino quis que eu trombasse com essa tonta só para me jogar isso nas mãos! Dá só uma olhada, mãe!

- É MEU! – Eu protestei, quase chorando e me atirando sobre o braço dela, tentando agarrar o envelope à força.
- Larga o meu braço, Flávia! – Lígia mandava.

- É MEU! SOLTA!!!
- Larga que você está me machucando, Flávia! A mamãe tem de saber o que você anda fazendo.

- O que eu tenho de saber, afinal, alguém pode me dizer? – a mamãe falou autoritária e, ainda por cima, mandou:
- Devolva isso para a sua irmã, Lígia. Se é dela, devolva.

- DEVOLVER??? – Lígia não quis acreditar que tinha perdido a parada.
- Sim, senhora – mamãe falou firme.

   Lígia me devolveu o envelope contrariada e eu, ingênua, por alguns segundos me senti vitoriosa. Já tinha virado as costas, quando a mamãe perguntou:
- O que é isso, Flávia?

   Quando me voltei para ela, pude ver o brilho dos olhos de Lígia saboreando aquele momento. Minha desgraça, sua glória!
- Coisa minha, mãe. Nada importante – falei.

- Eu conto! – a Lígia já foi se metendo outra vez.
- Ela conta – a mamãe falou, apontando para mim e usando um tom que não permitia protestos.

- É só uma carta... – arrisquei dizer.
- Carta de quem? – a mamãe perguntou e Lígia se meteu de novo.

- Carta pra quem, mãe! Pergunte: carta pra quem! Você vai cair de costas! É inacreditável!
- Lígia, vá para a escola que você está atrasada – a mamãe mandou. – Deixe que eu me entendo com a sua irmã.

   Claro que minha irmã não obedeceu. Esperou o circo pegar fogo, já com uma tocha na mão bem acesa para o caso de o incêndio não ter as proporções que ela esperava. Então, eu não tive outra escolha senão responder:
- É uma carta para o Julinho...
- Para quem??? – minha mãe fingiu não ter entendido o que não queria entender.

- Para o Julinho – a Lígia tratou de repetir bem alto.
- Não posso acreditar, Flávia! Você escrevendo para aquele cafajeste?

   Eu só baixei a cabeça e grudei os olhos num ponto qualquer do desenho do tapete.
   Não era comigo. Aquilo não estava acontecendo comigo. Eu não tinha levantado, não tinha saído da cama, não tinha nem ido à escola. Eu ainda estava lá protegida pelas cobertas, com a cara enfiada no travesseiro, quase sem respirar. Dando um tempo para o temporal passar. Mas ele não tinha nem começado. Minha mãe ia ainda fazer um sermão daqueles, eu sabia. E sabia o sermão de cor, de trás para afrente, da frente para trás.

- Será que precisamos conversar de novo, Flávia? Ainda não deu para entender?
- Conversar, mãe? E com ela adianta? – disse a Lígia, sempre pronta para atacar.

- Vá para a escola, Lígia. Esse assunto não lhe diz respeito – a mamãe falou.
   Desta vez a Lígia obedeceu, pois já tinha ficado evidente que as coisas não seriam fáceis para mim. Ela podia seguir sua vida tranquila, ciente de que eu viveria o inferno. E isso lhe dava um estranho prazer.

   Eu sabia muito bem o que estava reservado para mim. A mamãe ia falar, falar e falar e depois ia ligar para o meu pai e, depois de contar tudo a ele, ia me passar o telefone. Meu pai ia largar seu filhinho adorado e resmungar pelos aborrecimentos causados pelas filhas do seu primeiro casamento. A nova esposa dele entraria na sala batendo com os pés no assoalho, para que eu escutasse o som da sua impaciência e lembrasse que estava roubando um tempo precioso da convivência dela com seu digníssimo marido. O bebê ia abrir o berreiro e pedir colo para o pai dele, que por acaso era meu também, e então ele, meu pai, feliz por ser interrompido, diria: “chame a sua mãe!”
   Tudo isso aconteceria mais ou menos nessa ordem, eu sabia. E sabia por já ter assistido a esse filme outras vezes.

   Mas a minha mãe interrompeu as minhas imagens mentais e me fez lembrar que eu tinha, sim, saído da cama para viver aquelas experiências desagradáveis.
- Pode começar a explicar tudinho, antes que eu ligue para o seu pai.

- Explicar o quê, mãe? É a mesma coisa de sempre – eu falei com o olho ainda grudado no mesmo ponto do tapete.
- Olhe para mim e responda: você não tem um pingo de vergonha nessa cara?

- Eu amo o Julinho – sussurrei tão baixo que nem eu escutei.
- Você o quê, Flávia?

- Eu amo o Julinho.
- Depois de tudo, você ainda tem coragem de me dizer isso? – ela falou, espantada. – Amor?! E você, por acaso, sabe lá o que é o amor?

- Eu-amo-o-Julinho – repeti mais alto, pausada e heroicamente quando a vontade era de gritar: EU AMO E AMO E AMO O JULINHO e deixar claro que eu sabia muito bem o que era amar e que ninguém era capaz de amar como eu.
- Não posso acreditar no que estou ouvindo, Flávia. Depois de tudo?

   Balancei a cabeça como quem afirma: Sim, depois de tudo.
- Não doeu, não feriu, não magoou?

   Balancei a cabeça outra vez, querendo dizer: Sim, doeu. Sim, feriu. Sim, magoou. Muito.
- E então, minha filha. Quer voltar a sofrer? Não foi suficiente? Já não falamos tanto?

   Virei a cabeça de lado e encolhi os ombros querendo dizer: Não sei.
- Filha... Não sei mais o que fazer com você para que esqueça esse homem. Confesso que não sei mais o que fazer... – mamãe usou um tom de voz muito triste e cansado.

   Eu fiquei em silêncio olhando o mesmo ponto no chão.
- Vou ter de falar com seu pai outra vez, Flávia. Não vejo saída.

   Balancei a cabeça como quem diz que entende e virei na direção do meu quarto, mas ela pediu:
- Me dá esta carta.

- Não. É pessoal – falei.
- Não quero ler, filha. Só não quero que você a envie.

- Escrevo outra...
   Aí foi a vez de ela balançar a cabeça como a dizer: onde foi que eu errei? Pergunta que os pais sempre se fazem, quando acham que estão perdendo uma batalha.

   E eu fui me arrastando lentamente para o lugar de onde jamais devia ter saído. Entrei no quarto, tirei os sapatos, joguei os livros num canto, segurei a carta bem perto do meu peito, deitei com a cara enterrada no travesseiro e respirei bem fraquinho, bem baixinho, para dar uma parada no tempo, no meu sentimento, na vida.
   Só o pensamento voou...”

 

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

Capas 5 - O antes e o agora - Tempos de viver

   O livro Tempos de Viver, lançado em 1999, também teve duas capas. A primeira delas, de autoria de João Baptista da Costa Aguiar, é um recorte da obra de Michelangelo, "A criação de Adão", célebre afresco pintado por volta de 1511 no teto da Capela Sistina.
   Como se sabe, a obra representa um episódio do livro Gênesis, no qual Deus cria o primeiro homem, Adão, e a cena retrata bem e de forma poética a temática do livro: o relacionamento entre pais e filhos.
   Em 2005, Tempos de viver  ganhou nova edição, com capa de Niky Venâncio, assumindo uma aparência mais leve, colorida e moderna que agradou aos jovens leitores. Roupagem nova muitas vezes necessária por razões de mercado, especialmente quando os livros abordam temas atemporais como este. Pais e filhos, relações que se transformam através dos tempos sem jamais perder a essência: a difícil arte de se relacionar com o maior dos afetos.

sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

Artigo 3 - Como interpreto Mar, se tudo o que conheço é Chão?


      Para contar essa história verídica, vou relembrar rapidamente algumas definições de leitura, como as dadas por Maria Helena Martins[1], em seu livro, O que é leitura?
 
 a)       a decodificação mecânica de signos mediante aprendizado -    É o  Vygotsky chama de habilitação mecânica, que garante a decifração do código, mas não a leitura.
 
      Fácil identificar esse processo quando desembarcamos num aeroporto de um país cuja língua não conhecemos. Com sorte e uma mínima noção de inglês, diante da palavra EXIT encontraremos a saída. Mas não iremos muito além, se soubermos apenas decodificar.
 
        Por isso, melhor definição seria:
 
b)       processo de compreensão abrangente cuja dinâmica envolve componentes sensoriais, emocionais, intelectuais, fisiológicos, neurológicos, culturais, econômicos e políticos -   Ou seja, o indivíduo, como agente e parte da sociedade em que vive, inteiro, lê, conhece, compreende. (você lê com tudo aquilo que você é).
 
     A leitura é o processo de interação do indivíduo com seu meio. Pela leitura eu conheço a voz do outro, com a qual construo meu aprendizado e minha linguagem. E isso é mais do que somar elementos. É uma interação, pois o que foi somado, juntado, modifica o que já existia, e nada mais é o que era antes.
 
     É aí que reside o maravilhoso: a leitura transforma.
 
 
    
    Agora a história.  
Ela se passa no interior de um estado brasileiro, por volta dos anos 70, época em que
usar  recursos áudio visuais numa escola sem recurso algum era pura ficção científica.
 
                                                                                          .-.-.-.-.-.-.

A professora conseguiu o seu primeiro emprego num curso de alfabetização de adultos e, empolgada, decidiu que, além de alfabetizar, enriqueceria aquelas mentes com  narrativas que seriam lidas para os alunos semanalmente.
 
Foi num desses encontros de leitura que apareceu o Mar. Imenso, imponente, lindo, mas que não alcançou nenhum ouvinte. E a professora, surpresa, descobriu que nenhum daqueles adultos tinha visto um dia aquelas águas que ela mostrou nas gravuras, tentou descrever de mil maneiras sem sucesso.
 
A leitura, então, foi interrompida, mas não a preocupação da professora que voltou, na aula seguinte, munida de um Atlas Geográfico, na esperança de que, assim, pudesse dar aos alunos uma ideia do que era o Mar.  Mas aqueles traços planos e abstratos só fizeram confundir mais os alunos.
 
Sem desistir, a jovem professora levou fotos de outros livros, de seu arquivo pessoal, mas o alcance das fotos estava longe de representar o Mar. E os alunos ainda a olhavam descrentes.
 
Então, ela fez mais: levou consigo um Globo Terrestre que não era iluminado, mas girava sobre seu eixo, dando uma ideia melhor do que era chão, do que era água. E, ingênua, tentou mostrar a eles onde estavam, onde viviam, em que ponto daquela bola ficava a pequena cidade; e que todo aquele azul era oceano, era Mar.
 
Ainda não foi dessa vez que o Mar foi compreendido.
 
Nesse dia, quando a professora se preparava para sair e juntava seu material sobre a mesa, chegou uma aluna, de cabelos longos e escuros, rosto jovem, pés castigados, com certa pressa de pegar, quem sabe, um final de aula. Sem ver os colegas, ela parou, olhou para a mesa da professora e revelou seu desapontamento.    
 
- Ah! Logo hoje que eu faltei teve bingo?   - e foi embora.
 
A professora, visivelmente cansada, ficou diante da mesa, abraçada aos seus livros. Olhou para o Globo Terrestre perfeitamente associado ao jogo cuja roda gira e que, girando, construiu sentidos para a sua aluna. Roda palpável que a aluna viu, conheceu, era capaz de entender.
 
E só então (depois de anos de estudo), a professora vivenciou o que é Leitura. Não apenas de palavras, mas de mundo.
 
“Processo de interação com seu meio”. ...”que envolve componentes sensoriais, culturais...”,  você lê com tudo aquilo que você é”.
 
Sim. Você lê com tudo aquilo que você é, com tudo aquilo que já viu e conheceu um dia. Mas, às vezes, os limites do que somos são tão estreitos, que não cabe a palavra Mar.  
 
P.S. meses depois, a professora organizou um passeio com os alunos e todos  puderam LER o Mar,  tão imenso que antes não cabia!  
 
 




[1] MARTINS, Maria Helena. O que é leitura. São Paulo: Brasiliense, 1984.