terça-feira, 11 de outubro de 2011

Leitura 11 - Meu destino sou eu

Meu destino sou eu
Editora FTD
Trecho - Capítulo X - pags. 35/36

Pai e filho se encontraram na porta de casa.
- Não tem ninguém - Pedro avisou. E eu estou sem a chave.
- Como não tem ninguém? - irritou-se o pai, já colocando a chave na porta. - Onde se enfiou a sua mãe?
- Deve estar na loja. Ela costuma chegar um pouco mais tarde - disse Pedro, consultando o relógio. - Você é que chegou cedo.
- É. Quis fazer uma surpresa e fui surpreendido - reclamou o pai, enquanto entrava e ia direto discar para a loja.
- Clara? Sara? Avisa a sua mãe que eu já estou em casa.
Júlio desligou o telefone, zangado. Nem sombra da satisfação estampada no rosto quando tudo corria conforme seus planos. Algo tinha saído da rota.
Após uns quinze minutos, depois de terem fechado a loja apressadas e descido ladeira abaixo praticamente correndo, Sara, Clara e Edna entraram em casa. Elas bem sabiam o quanto Júlio desaprovava a loja e os transtornos provocados por ela em sua vida.
- Oi, querido. - Edna foi logo beijar o seu rosto.
- Oi - respondeu ele, lacônico e recebendo indiferente também os beijos das filhas.
- Chegou cedo hoje! - comentou Edna, guardando a bolsa.
- E você, tarde - respondeu ele.
- Tarde? Mas este é o meu horário! - ela estranhou.
- Que horário? - disse ele. - Você fecha a loja na hora que quiser.
- Pois então - ela o enfrentou. - Esta é a hora que eu quero.
- Já vão começar... - Sara falou baixinho para Clara.
- Você sabe que destesto não te encontrar em casa quando chego, Edna - Júlio protestou.
- Então me arranje uma bola de cristal pra eu poder adivinhar quando você vai chegar mais cedo. Certo? Eu estava trabalhando, sabia? Tra-ba-lhan-do.
- Sem precisar - emendou Júlio.
- Você implica com o meu trabalho, Júlio. E, pior, só lembra de mim quando eu não estou  em casa. Sou notada pela ausência!
E, dizendo isso, Edna correu para o quarto e se trancou. Júlio pareceu não se importar. Esta cena era reprise de muitas outras. então, voltou-se para o filho.
- Campeão, já vi que não sai janta hoje. Quer ir comigo numa lanchonete?
- Acho que não, pai. Eu estou uma fera hoje.
- É mesmo? Então vamos juntos nos consolar. Você me conta o que aconteceu pelo caminho. Vem, campeão - insistiu Júlio.
Júlio passou o braço pelo ombro do filho e, voltando-se para Clara e Sara, que, mudas, assistiam a eterna discussão, disse:
- Vocês duas façam companhia para a sua mãe.
Logo em seguida, Sara e Clara puderam ouvir os dois conversando do outro lado da porta:
- E elas vão comer o quê, pai?
- Elas se viram na cozinha, campeão... São mulheres...
(cap. XI - pag. 39)
...
Pouco tempo depois, Júlio e Pedro voltaram.
Arrependido, Júlio chamou Edna para o quarto para conversar. Sara já sabia o fim da história. Tinha assistido a essa cena inúmeras vezes. Ele pediria desculpas, assumiria que tinha exagerado na sua reação, no seu ciúme, na sua sensação de posse, na sua autoridade. Edna, ainda aborrecida, o perdoaria, e os dias passariam tranquilos até que algo parecido acontecesse outra vez...
Naquela noite, Sara custou a pegar no sono. Ficou relembrando várias passagens da sua infância. Nelas, invariavelmente, seu pai aparecia como aquele que roubava dela e da irmã toda a possibilidade de voo, toda a sensação de liberdade, de ser capaz.

Nenhum comentário:

Postar um comentário