quinta-feira, 8 de março de 2012

Leitura 16 - "Ouvindo" livros

     Recebo uma carta carinhosa de uma leitora, aluna do Fundamental, que teve como indicação de leitura o meu livro "Um gosto de quero mais", da FTD. A primeira edição do livro é de 1994 e, na época, muito embora os professores sugerissem que temas como a gravidez precoce fossem abordados na literatura juvenil, a adoção era ainda um tanto controversa.  Quando os educadores sentiam que o momento era propício, muitas vezes, os pais se mostravam reticentes: "Por que atiçar a curiosidade dos alunos?" Uma preocupação compreensível, mas que, já se pressentia, por pouco tempo seria contornada.
     Aos poucos, o livro foi ganhando espaço, abrindo caminho junto a tantos outros títulos e temas, promovendo importantes discussões em salas de aula que, bem conduzidas, produzem resultados excelentes. Em 2001, o livro foi atualizado, ganhou nova capa, diagramação e fôlego e já se vão 20 anos de estrada. É ainda um livro jovem que fala ao leitor jovem com algum conhecimento de causa. E, ao falar, é ouvido. Sim, pois como bem dizia Bartolomeu Campos de Queiroz: "ler é também escutar". No intenso diálogo que se estabelece entre autor, texto e leitor, há uma troca única e exclusiva.
     Mas, voltando à carta da minha leitora (uma carta com caligrafia trêmula), ela assim começava: "Querida Sonia, graças ao seu livro deixei de fazer uma bobagem". Na sequência, ela me relatava seu amor adolescente, pleno de contradições - por ser maravilhoso, intenso e proibido - e da sua preocupação com a insistência de seu namorado em iniciar um relacionamento mais íntimo, já que o amor, o verdadeiro amor, tudo permite, tudo quer, tudo pode. Ela não deixou claro se a "bobagem" a que se referia era dar início à vida sexual ou se - já ultrapassada esta dúvida - era interromper uma gravidez não desejada.
     Para quem não conhece o livro, ele fala sobre as inquietações de uma adolescente chamada Cely diante da gravidez de sua melhor amiga, também adolescente, Darlene. Permeando a  narrativa com trechos do diário de Cely, descobrimos o que acontece em seu íntimo, o quanto de conflito e de incerteza a condição da amiga lhe provoca. Cely é a protagonista, mas quem está grávida é a outra, para que o leitor possa - em cumplicidade - partilhar medos e descobertas de Cely, que também se modifica, ainda que protegida por sua condição de espectadora: ela vive com Darlene uma história solidária e paralela cujas consequências não a atingem (não?).
     Cumplicidade foi o que levou minha leitora, possivelmente sem ter outra opção, a recorrer a mim: "graças ao seu livro deixei de fazer uma bobagem... "
     Por um bom tempo, até poder lhe responder com minha humilde condição de mãe, mulher - em algum canto de mim ainda adolescente - eu me detive na palavra bobagem. Bobagem sexo? Bobagem filho? Bobagem aborto? E escrevi com o cuidado e a delicadeza de quem tem em mãos um pássaro ferido. Hoje, porém, ouço a voz do grande escritor, e me dou conta da força contida no que escrevemos/dizemos.  E o que mais me  impressiona na carta da menina é: "graças ao seu livro..."

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