I
- Em mim sonhas um mar, um horizonte
murmuravas. - Ao ver-me rio e vento
sabes que ao ser apenas lago e fonte
és imóvel, e sou teu movimento.
E sonhei mais. Que em volta do teu rio
fosse eu contorno e no teu vento eu fosse a
a flexivel resposta de um navio
saciando essa procura que te trouxe.
E sonhei mais ainda pois sonhei
também que me sonhavas. Descobri
que nem mesmo sonhaste o que te amei.
Na manhã do teu rio em que me apago
ficaram, desse sonho onde vivi,
as águas tristes que não foram lago.
II
Que o amor assim perdido se conforme
e renasça na forma de outro amor,
embora sem ser meu. Que se transforme
num sorriso distante desta dor.
Que as mãos assim crispadas pelo sonho,
repousem finalmente na verdade
aceita e compreendida em que disponho
os limites da estreita realidade.
Que o rumo onde te amava e me perdia
em tristeza tão grande não incorra
sobrevivendo a altura em que eu vivia.
Que poesia e não lágrimas escorra
dos meus olhos. No sonho já desperto
seja água a responder ao teu deserto.
III
Pouco sabeis de mim. Hoje percebo
que o segredo mais puro do que sou
vos é desconhecido. É um arremedo
apenas do que sinto o que vos dou.
Se é receio vos largar o coração,
talvez eu tema. Sei o que é silêncio,
a mágoa de compor a solidão
uma outra vez. E sei que não convenço
vossa distância em minha entrega. Perto
ou longe, sois limite próprio. Surda
é em vós essa paixão em que desperto
um arrepio que vossa paz perturba.
E intensa me contenho e mais não faço
para atrair-vos ao céu que vos disfarço.
que o segredo mais puro do que sou
vos é desconhecido. É um arremedo
apenas do que sinto o que vos dou.
Se é receio vos largar o coração,
talvez eu tema. Sei o que é silêncio,
a mágoa de compor a solidão
uma outra vez. E sei que não convenço
vossa distância em minha entrega. Perto
ou longe, sois limite próprio. Surda
é em vós essa paixão em que desperto
um arrepio que vossa paz perturba.
E intensa me contenho e mais não faço
para atrair-vos ao céu que vos disfarço.
IV
Tudo acabou, bem sei, mas não importa.
Não é só de futuro que amor vive.
O tempo em que se amou não mais se corta
de nós; ainda sou muito do que tive.
Nessa entrega também me pertenci.
Tive dois corpos, duas almas, em braços
mais longos envolvi o mundo. Nasci
de nós, por isso levo-te em meus traços.
Não pesa que a verdade foi momento,
a presença tão breve e o desconexo
desse sonho. Restou-me o sentimento
em que de novo te surpreendo em mim.
E o que foi belo, imóvel num reflexo
me enriqueceu de haver amado assim.
"Amar de amor, amor de amar VI", Entre a flor e o tempo, 1961
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